De quem é a
luz que pousou em meu corpo? Acordei iluminada. Ouvi quando passos apressados andaram em volta de minha cama. Tive a sensação boa de ver tuas costas largas. Antes, porém, senti um mansinho de mão tocando-me os
cabelos suados. Meu corpo foi se inclinando ressabiado e cauteloso para
perceber-te completo, mas não te vi. É que não conheço bem quem sorrateiramente ronda meus sonhos e sono,
desarranja meus lençóis, procura-me, advinha-me e presumidamente me desacoberta
em minha cama, me acha e eu me perco. Acordei acesa. Eu tinha um brilho, um
laser atravessando de ponta a ponta meu corpo. Quis saber quem da escuridão de
meu corpo apagado, teria pena. Quem a mim quereria ver - se nem eu quis -
ver-me luzidia?
Ah,
deixa-me na escuridão a que me proponho. Deixa-me, pessoa. Caminha teu caminho e
não ronda meu quarto escuro. Anda mais. Espreita-me de jeito que não me irradie
tua luz. De longe, bem longe. Minha solidão é avessa a se ver assim, muito clara. Minha
fragilidade é envergonhada. Meu coração é poço enlameado de mágoa. Meu orgulho
tão artista, coitado, fugiu correndo assustado. Minha ingratidão ficou
desapontada. Eu peço, tira teus olhos luzentes de meu corpo. Tira tuas mãos
brilhantes da minha cabeça. Esqueça. Como hás de me apagar agora, se tudo é
lume quando te achegas? Toda fogueada, ardo em tua cintilação. Por quem te
tomas, que faz em minha floresta escura uma clareira apontando meus erros aos Deuses?
Por que vens enquanto durmo te acovardando diante de meu negrume e me
entorpeces de clarões... E me confundes a vista, e arranhas o meu espelho com
teus raios doridos.
Sinto como se todas as estrelas entrassem de uma vez em meu quarto preto, quando
surges. Quem quer luz? Quem te disse que dela preciso? O teu claro prescinde meu
escuro, ou depende dele? A que vens? Chegas na calada e foges quando dou por
mim esplêndida. Não assumes a intenção de teu fulgor, de tua atitude de aclarar.
És uma estrela invasora ou uma constelação delas assumindo forma humana ou
ainda, és forma humana só ao meu lado. És grande e brilhante porque sou uma tua
inversão, um reflexo teu versão mulher. Brilha tu, acolá; estrela imensa. Seja-a de mais longe, por favor. Afasta-te. Ou
de mim depende tua evolução para deixar poeira estelar? O meu corpo te evolui, meus sentimentos te
avolumam, meu afeto te soma e minha verdade escura te desorienta, te reverte aos deveres de
novos começos. Quer minha sombra para que não te torres no rútilo de tuas
vaidades. Sim, precisas de meu corpo escuro para dormir tua luz intensa quando
a noite te vem espavorir. Sinto; és meu bem maior, mais rico, mais
preciso, e me luz, e me incendeias e me incomodas. Como me incomodas!