domingo, 24 de março de 2013

Retrato

 
   
E por falar em reflexos e em retrato, é em Cecília Meireles que me espelho quando me empresto ao poema ou dou de mim, à minha poesia.
 
 
 
 
 
 
 Retrato
"Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
Em que espelho ficou perdida a minha face?"
 
Cecília Meireles
 
 

terça-feira, 12 de março de 2013

Luz das estrelas



 
         De quem é a luz que pousou em meu corpo? Acordei iluminada. Ouvi quando passos apressados andaram em volta de minha cama. Tive a sensação boa de ver tuas costas largas. Antes, porém, senti um mansinho de mão tocando-me os cabelos suados. Meu corpo foi se inclinando ressabiado e cauteloso para perceber-te completo, mas não te vi. É que não conheço bem quem sorrateiramente ronda meus sonhos e sono, desarranja meus lençóis, procura-me, advinha-me e presumidamente me desacoberta em minha cama, me acha e eu me perco. Acordei acesa. Eu tinha um brilho, um laser atravessando de ponta a ponta meu corpo. Quis saber quem da escuridão de meu corpo apagado, teria pena. Quem a mim quereria ver - se nem eu quis - ver-me luzidia?
         Ah, deixa-me na escuridão a que me proponho. Deixa-me, pessoa. Caminha teu caminho e não ronda meu quarto escuro. Anda mais. Espreita-me de jeito que não me irradie tua luz. De longe, bem longe. Minha solidão é avessa a se ver assim, muito clara. Minha fragilidade é envergonhada. Meu coração é poço enlameado de mágoa. Meu orgulho tão artista, coitado, fugiu correndo assustado. Minha ingratidão ficou desapontada. Eu peço, tira teus olhos luzentes de meu corpo. Tira tuas mãos brilhantes da minha cabeça. Esqueça. Como hás de me apagar agora, se tudo é lume quando te achegas? Toda fogueada, ardo em tua cintilação. Por quem te tomas, que faz em minha floresta escura uma clareira apontando meus erros aos Deuses? Por que vens enquanto durmo te acovardando diante de meu negrume e me entorpeces de clarões... E me confundes a vista, e arranhas o meu espelho com teus raios doridos. 
         Sinto como se todas as estrelas entrassem de uma vez em meu quarto preto, quando surges. Quem quer luz? Quem te disse que dela preciso? O teu claro prescinde meu escuro, ou depende dele? A que vens? Chegas na calada e foges quando dou por mim esplêndida. Não assumes a intenção de teu fulgor, de tua atitude de aclarar. És uma estrela invasora ou uma constelação delas assumindo forma humana ou ainda, és forma humana só ao meu lado. És grande e brilhante porque sou uma tua inversão, um reflexo teu versão mulher. Brilha tu, acolá; estrela imensa. Seja-a de mais longe, por favor. Afasta-te. Ou de mim depende tua evolução para deixar poeira estelar? O meu corpo te evolui, meus sentimentos te avolumam, meu afeto te soma e minha verdade escura te desorienta, te reverte aos deveres de novos começos. Quer minha sombra para que não te torres no rútilo de tuas vaidades. Sim, precisas de meu corpo escuro para dormir tua luz intensa quando a noite te vem espavorir. Sinto; és meu bem maior, mais rico, mais preciso, e me luz, e me incendeias e me incomodas. Como me incomodas!