terça-feira, 28 de outubro de 2014

O homem na cama


A cabeça cirandava
no travesseiro
de penas
e sonhos apenados,
Os pés deixaram
os passos lá fora.
As mãos
acenavam
para o passado.
A morte lenta
descia sua luz fraca
no tablado
de seu corpo
apoucado.
A luz da janela
batia naquele rosto
e o condenava
à escuridão da cama.
No chão,
a mal lavada alma,
Uns dedos grossos
engatilham a calma,
E todos os dias
ao seu ouvido
a vida fica ali,
zunindo em despedida.







quinta-feira, 23 de outubro de 2014

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Presa no encanto




       Outro dia um amigo me disse que eu precisava sair. Achou-me ensimesmada. Respondi a ele que estou presa por 'encanto'. Comecei a pensar sobre isso, me imaginar pondo a cara pra fora de casa. Abri uma frestinha de porta e pude ver, há um mundo lá fora. Estamos em primaveras: eu e a natureza. Vi árvores floradas, quietas, paradas como eu, e assim como eu, com aquela calma de quem acabou de parir. Fiquei presa no enquanto. Com ouvidos colados à parede e através de minhas janelas ouvi o mundo. Do alto. Ouvi o mundo sobre um rochedo, como o faz uma sereia. Um mundo assoviado por cigarras que me remontam ao passado. Exageradas, elas bebem todo o orvalho da noite, cantam à exaustão, estouram de cantar e ainda me apavoram.
       Sim, estou presa em cantos. No canto das cigarras, no meu próprio canto. Na minha encantadora caladura de sereia trazida por Kafka, no seu "Silêncio das Sereias": "As sereias, porém, possuem uma arma mais terrível do que seu canto: seu silêncio."








terça-feira, 23 de setembro de 2014

Poder do querer

 
 


     Na primavera floram
     verões, outonos e invernos
     Flora o que a gente quiser
     que flore na vida da gente










sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Coautoria



                             Bruno Catalano
                                                    

Viveu tanto tempo
nos sonhos dele
como hóspede,
que tornou-se
partícipe.
Resolveu ficar 
por ali mesmo.











domingo, 7 de setembro de 2014

Um espinho de flor



Dou minhas costas
à sua canção
Você de asas, adora meu dorso.

Faço sombra
à sua imagem
Você no escuro, me perdoa em reza.

Sujo seu nome
Traço fugas
Você na lama, minhas chagas cura.

Meu liberto e sombrio amparo,
Por que me quer de perto,
Se no amor sempre te deserto,
Se sou veio de um rio na sua dor?








terça-feira, 26 de agosto de 2014

Da análise



        O olhar de cobra pousava nela cobrindo-a com suas asas gigantes. Embora esquivasse, mais retida se sentia na escuridão do lugar. Tentou um grito, não veio. Aquietou-se encolhida naquelas penas enormes, verdadeiras piedades. No vão da plumagem ela via árvores floridas balançadas, e folhas indefesas fustigadas pelo vento. Do liláceo das pequenas flores que caíam ela remontava lenta e cuidadosamente sua infância, sua mocidade, seu presente ganho. Seu movimento era, então, redemoinhado. Assim, muito espiralado, de fora para dentro do dentro.
 





 
 
 
 
 

sábado, 23 de agosto de 2014

O complexo de Diana




Uma predadora, 
presas ímpares
em tantos pares.
Um amor solto no ar,
outros amores nos bares.









terça-feira, 8 de julho de 2014

Tuas vindas


Quando 
com a calma
de flores adultas 
mortas,
aninhas cá 
no meu peito
e te descansas,
suporto.
Mas se danças,
criança,
em meu coração cansado
e dás cambalhotas, sofro.

sábado, 5 de julho de 2014

O lado de dentro acordado




          Minha insônia me dá muito de mim. Diz-me como tenho me permitido ser habitada. Fala do meu corpo e de onde ele me chama através da dor. Sem dormir, percebo como são estreitas minhas costas  magras para os perigos da cama no mundo. Posso sentir com a insônia minha debilidade pulmonar reclamando sustos contidos. Conta-me minha insônia com que pés tenho andado, e com quais deles devo seguir caminhando. A cidade em mim não fecha suas asas. O estado não se aninha aqui dentro. Não cala o bico o país que povoa meu quarto. Meu universo não fecha olhos. E a menina dos meus olhos não aceita esta mesma cantilena, quer outra canção de ninar.



quarta-feira, 11 de junho de 2014

Inquirida

Ilust. Denis Zilber


Quem vem
me ver?
Que verve
em mim vê?
Que verme
me vem?
Quem vai
viver-me?









segunda-feira, 9 de junho de 2014

A carta: "Os enamorados"



Chega no baralho aberto
de empilhada escuridão
Revela incerto universo
Uma visita Eros a Psiquê?
Um "habitué" do meu corpo
Eros amava e se encobria
Psiquê a tudo clareava
Exponho-te em meu jogo
Fantasma fantasia
visão 'fantus', tarot
Gula pantagruélica
de sonhos não santos
Quem a mim negra,
me assume claro encanto?
Não tem eira nem beira
Vem pelo faro
Vem pelo ralo
Me povoa e me rende
Enreda-me como polvo
Divina íris verde escura:
caco de vidro lancinante
Complexo adulto frágil
Ágil sábio no meu corpo
sacro, magro, assimétrico 
Granada, água- marinha,
opala, esmeralda, ágata,
brilhante, pedras semi 
e preciosas.
E numa fantasia galante 
quem pedra me espera?









quinta-feira, 5 de junho de 2014

O sonho de uma presença


                       

         O tempo não está lá atrás ou lá fora. Ele vive aqui dentro e ocupa os cantinhos do presente ou fica na nossa imensidão de futuro. O tempo é presente ou futuro e não há como “ter” um tempo passado, o tempo é ou será. O passado não deve viver... senão nos relatos de nossas histórias. Por falar em história, conta-se que certa vez perguntaram ao astrônomo italiano Galileu Galilei a idade dele. Ele dissera, na ocasião, que tinha oito ou dez anos e que na verdade ele só tinha os anos que lhe restavam de vida, porque os vividos ele não os tinha mais. E para ele anos passados eram como moedas gastas: não eram mais dele.
       Em nossa cultura contamos os anos passados de nossas vidas. Por certo, isso nos prende ao passado. Assim, nos relacionamos com o passado como se estivéssemos soltando pipa: prendendo-o numa ponta e cuidando para segura-lo por uma linha. Talvez romper com essa amarrazinha nos permita flutuar em paz no presente e rumar ao futuro. O ideal é que tenhamos “el tiempo entre las manos”, controlando-o no presente e ‘futurando-o’.
 
 
 
 
 
 

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Não pise na flor

    

Te, ti, teu, tua,
nada é meu
ou para mim
nesta rua
Se, si, seu, sua
nada de nós
nessa lua
Atéia, à toa
louca, crua
nunca fui pouca.
Um pronome?
_Eu.
Minha língua
gélida e dura
Nunca contígua
_Solta.
Um possessivo?
Minha. Só minha.
Nesta vida
vim sozinha.







quarta-feira, 21 de maio de 2014

Subjuntividades



Christian Schloe
 
        Se eu pudesse seria seu único canal condutor de notícias. Monopolizaria suas fontes de informação e só traria boas novas para arrancar seus mais sérios risos. Daria notícias engraçadas para provocar suas gargalhadas mais fiéis. Também contaria todas as mentiras que você quisesse ser feliz ouvindo.
        Transformaria em sua casa o mundo e o mundo em sua casa, se eu pudesse. Uma vida sem portas nem trancas. O mundo seria uma sala de receber suas melhores visitas. Faria deste mundo uma casa circular assim: um quarto de sonhos lindos de se realizar, e os três quartos restantes seriam ausência de seus pesadelos.
        Se eu pudesse faria de sua janela de olhar dentro de si um mundo feio, uma espécie de gaveta de criado mudo, segredada.
       Também se eu pudesse, te daria as melhores combinações de letras. E das palavras prontas emitiria os sons mais harmônicos e cadenciados aos seus ouvidos. Eu te daria todos os poemas por fazer e todas as músicas compostas. Poderia ainda, te pintar de toda cor, te redesenhar e te revelar em telas.   
       Ainda se eu pudesse, te daria uns beijos gritados e uns abraços mais silenciosos depois de cansada.
       Ah, se eu me permitisse! Se eu te permitisse eu me daria tanto.
 
 
 
 
 
 

sábado, 12 de abril de 2014

Olhos de te plantar


                                                                        Mark Hyden

Nos meus olhos marrons,
tua semeadura.
Nos teus olhos verdes,
meu germinar.







Genealogia


                                                                                       Ilst. Alessia Lannetti

O teu tronco de árvore
a tua casca grossa
teu riso torto galho
A seiva.
A raiz de teu pé de meia
Nossas meias verdades
A verdade absoluta mente
A sola.
Tua mente semeia dúvida 
Tuas lágrimas de crocodilo
A sombra.
Tudo degela meu coração
duro e se queda em cachoeira
Rio.
Um rio escorre de olhos d'água
na minha nossa cara de pau.





quinta-feira, 27 de março de 2014

Amoralês


                                                                                  (Ilust.Valéria do Campo)
 
            Criei um idioma para nós dois. Nele, os verbos não são de ação, são de estado. De ligação. Nesta língua restrita a nós, as palavras são leves como plumas, se assentam onde querem, como querem e rimam entre si sem pedir nossa ajuda. Tudo é sonoro e harmônico, com musicalidade, ritmo e métrica. Ali, todos os adjetivos designam qualidades positivas e o advérbio mais presente é o de intensidade. Um advérbio de dúvida só aparece para aforquilhar o que pode ser perfeito e o que pode dar certo. A única preposição é a essencial: “entre”. E liga nós dois elementos de uma oração (divina), nos subordinando sempre um ao outro. Ora somos termos regentes, ora somos regidos.
         Nesta minha linguagem também existe a comunicação não verbal onde os pensamentos se encontram e se cumprimentam com abraços. Onde nossas impressões acerca das coisas deste mundo se esbarram e se beijam todo tempo, nos traduzindo. Em minha língua há dois pronomes: nós. Nosso substantivo é abstrato, impalpável como tudo que não se perde no mundo. O artigo é indefinido, o numeral é multiplicativo e a conjunção é aditiva, vem para somar. As interjeições? Ah, as interjeições! Não há amor expresso sem elas... Não que eu conheça. As interjeições, limitei às necessárias: de alegria, invocação, saudação, admiração, de aplauso, agradecimento, animação, de chamado, de desculpa, de desejo e claro, de saudade. Oh, saudade!  
 
 
 
 
 

domingo, 23 de março de 2014

terça-feira, 11 de março de 2014

Caminhada de Hesse

              

                   
                Em uma aldeia muito distante, em uma casa bem grande, vivia uma mulher gigante. Ela não se sabia agigantada. Olhava-se no espelho e além de sua beleza, não enxergava mais nada que a pudesse distinguir de outras pessoas do mundo. Perto dali, havia um homem anão. Ele não tinha conhecimento da existência de mulheres gigantes, também não se imaginava pequeno como realmente era. Acontece que mulheres gigantes raramente olham para baixo, e homens anões não veem além da linha do horizonte traçada por seus olhos. Tece daí a conclusão de que nunca se revelariam um ao outro. 
          Os textos judaicos trazem que somos sempre levados para o caminho que desejamos percorrer. Então, a mulher gigante caminhava olhando para o futuro formado a partir dos seus olhos altos, e não via ninguém. O anão passeava por perto e sentia-se sozinho em sua pequenez  ignorada. Foi aí que ele, o anão, fez pra si uma escada bem alta ligando a terra ao céu e subiu. Subiu, subiu. Deslumbrou-se. A cada degrau subido, se imaginava aproximando mais do que queria, sem sequer dar-se conta do que seria que queria. Ia às cegas. A mulher gigante não parava de andar. Sabia que ao avançar, se aproximava mais de seus objetivos. Às vezes,  surpreendia-se com os percalços em sua andança , mas rumava. Olhou adiante e viu uma escada enorme. Identificou-se. Imaginou ser alguém igual a ela, de pernas compridas para dar passos largos, com quem pudesse dividir caminho. Mas iludira-se. Era um homem pequeno, no alto de uma escada feita de gente. Era o anão. Ele usava pessoas como degraus para se complementar. Ela chorou. Chorou um choro gigantesco e entendeu: não era ali que parava.




sábado, 8 de março de 2014

Conto de ninar mulher insone

                   
 
          Ela jogou-se na cama fria e de olhos estatelados, se olhava nos espelhos que a cercavam. De cada um deles surgiam várias mulheres. Todas, ela. Via-se infinita em suas possibilidades. 
         Uma sirene ensurdecedora e insistente enchia sua cabeça zonza. Seu corpo suava, suas mãos tremiam e seu coração era uma espécie de relógio descompassado que batia fora da hora. Um planeta sem órbita. Em uma parede via uns olhos vermelhos que combinavam com seu batom. Em sua cabeça, os pensamentos eram segmentados, destroçados. Nada seguia uma ordem, todo pensamento era incompletude. Cada fio de cabelo parecia um pensamento interrompido em seu comprimento. Tudo nela era indefinido e despedaçado. Sua memória dançava entre os tempos. Não se enxergava no presente, não estava no seu futuro e não se prendia a um passado. Estava solta, atemporal, sem sequência, quebrada e maltratada pelas pontas de espelhos do teto, das paredes, da cabeceira da cama. Seus pés, por causa da dança, doíam como nunca. Sentia todas as inervações de seu corpo e a dor se espalhava, ramificava quente pelos seus membros.
           Perturbada, ela foi-se encolhendo devagarinho, formando com o corpo uma espécie de concha acústica que lembrava a posição fetal. E ali ficou, embrionária, larvária, por muito tempo. Queria dormir, não conseguia. A música alta latejava sem nenhum sentido e sem ritmo dentro dela. Estava ardendo, seu corpo queimava, ela se via incendiar. Via as labaredas que saiam de seu corpo magro, sem músculos. Seus ossos crepitavam no fogo. De medo, começou a se debater na cama. Ela sabia: entrava em erupção. Via seu sangue sair em jatos deixando seu corpo frouxo, murcho. Mas a natureza humana a tudo aquieta e tudo remedeia. Então, surge de um dos cantos espelhados do quarto, um pássaro minúsculo e pousa no antebraço dela; com seu bico agulhado faz um furo em sua carne e começa a assoprar forte, inflando-a. E aí, ela vai se enchendo, ficando cada vez mais leve, até sair flutuando entre as quatro paredes, multiplicada em mil. Ela ali, boiando no ar, no meio do quarto. Suspensa, lentamente ia ao teto, devagarinho descia ao chão, ia de uma parede a outra navegando no ar, dançando nua. E esvoaçante entre seus reflexos, pairou sobre a cabeceira da cama e adormeceu acalmada por seu bamboleio.  





 

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

E lá no meio do meu caminho



         Odeio caminhar. Prefiro "andar" de carro, sobre teclas, em páginas de livros, gosto de vagar alma penada pelas salas, andar sobre os muros (como fazia quando criança), pelos armários, gavetas, em cima das camas, pelas paredes, áreas, árvores, sonhos...enfim, qualquer lugar que me distancie da terra. Mas nunca vagar a esmo, sair pelas ruas à toa, como sugerem os médicos. Por outro lado, adoro me contrariar. Sempre que posso, faço isso. Incrível, mas faço. Hoje à tarde, por exemplo, quando o sol foi embora de Brasília e eu percebi que ele não tinha a menor possibilidade de voltar, fiz uma caminhada.
        Encontrei uma criança chata com um rodo enorme na mão e fazendo a seguinte e divertida brincadeirinha: quando vinha alguém, ela colocava o rodo no caminho e atrapalhava a passagem. Uma outra criança e um pai comemoravam a volta de bicicleta, agora, sem as duas rodinhas. Passei por uns adolescentes andantes (todos são) que fazem umas caminhadas estranhas, em tribos e pelo celular. Vi senhorinhas de cachorrinhos com laçarotes coloridos e muitas mulheres e homens belos, músculos à mostra.
        Quem caminha entre as quadras da cidade se situa neste debate: babás boazinhas com suas miudezas fofas, gente bonita musculosa, senhorinhas e senhorzinhos bem-humorados, cachorrinhos e tal. E eu no meio disso tudo, caminhando. Mas me chamou atenção mesmo, uma camiseta que estava no meio do caminho, muito clara, escrito bem miudinho, assim, cochichado: doador de sangue. Tinha um ser humano dentro dela.







sábado, 25 de janeiro de 2014

Plano e espacial




  
Não se pode chamar:"nosso abraço"
Esse enlaço é bem maior.
Talvez um compasso fechado,
um transferidor de grau,
ou a própria circunferência.
É a definida junção do esquadro.
É redondo, é quadrangulado.
Um cálculo encontrado.
Obsessão matemática.
É um círculo de tão exato.
Toda angulação existente.
Uma geometria completa,
um traço divino resultado.
Não pode chamar abraço,
é mais que invasão de espaço.
na verdade é um transpasso.