sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Claro escuro




Morte, tu que és tão forte...
Quão firmada, és.

Pousa crédula na tua força,
a lâmina célere
invasora de sonhos dos 'eus',
Que rasga a pele dos sentidos
e pui a organza clara
da crença num Deus.

Morte, tu que és tão forte...
Absoluta.
A alma a qual queres,
a nenhuma perdoa.

Peço-te _ como se faz a um Deus _
Voa, aqui, pássaro sombreado,
irônico, travesso...
Versa de vez a tua malvadez.

Discrepo
da tua maleficência,
Da tua boa eficiência
de dar o amargo
'in dribs and drabs',

Do inferno impérvio
donde sai tua ira, não tardes,
Vem!
E liberta, e livra, e libera
quem no sal arde;
Não retalhes mais o espírito,
não flageles mais a carne;

Morte, tu que és tão forte...
Absoluta.
A alma a qual queres,
a nenhuma perdoa,

Morte, tu que és tão forte...
aferra os sofreres, limita:
prenda-os na vasta parede
que separa os dois mundos.





quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

"Imperdoável"



A dor dele brilhava
feito purpurina
em pó:
grudava nas pessoas;

A dor dela,
gás lacrimogênio
em quem a via
desmoronar;

A dor do menino
era acastelada,
dor guardada em pote.
Moraria n'alma, toda vida.




sábado, 9 de novembro de 2019

"Flexão grau da palavra"



No ouvido dela,
faça barulhinhos,

Na cabeça dela,
faça barulhos,

no coração dela,
faça um barulhão.




sexta-feira, 8 de novembro de 2019

"A solidão da volta"


Seis da tarde:
o escuro.

Numa 'single file',
carros
de olhos vermelhos
faiscados
e de sorrisos amarelos
voltam pra casa;

Brilham
os retrovisores,
luziluzem
as retrovisões...




quinta-feira, 7 de novembro de 2019

"O anel que tu me deste"



'Sometimes',
carecemos do barulho
para calar a boca
de nossos
silêncios eloquentes,

Foi então
que empurrei
a nuvenzinha escura
para um canto

e me deitei
algodão
no seu colo
pena;

Fiz do meu jeito.
Dei asas
às conchas
da praia do Futuro

e fortalezas
de pérolas
se desmancharam
a pulular
do céu peito.





quinta-feira, 31 de outubro de 2019

"Sinas"



Não se estranhe, mulher.
É assim mesmo.
Topo e salto,
O caos, o encanto,
voar alto,
Isso tudo é da nossa natureza.





quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Há mares



Morrer 
de amar

hei 

de amar
ao arrepio da lei




As mãos dela


   Nas mãos
   de minha mãe,
   linhas
   lampejam,
 
   A linha
   da vida
   borda
   o bem,
 
   No colo
   de minha mãe,
   um tecido
   ondula
   em música,
 
   À baila,
   valsas vienenses, vêm.





terça-feira, 15 de outubro de 2019

Barulhinho de chuva


Chuva fruta
Reza
Brota
Estoura gotas
no chão

Chuva
em contas
de vidro
Rosário
Poças estalam
em oração

Chuva
em pontas
Estalactites
O fálico
O cálcio
Chuva clara
dores do não

Chuva mole
Gruta escura
Moça pedra
sopesa
Atura
bruta solidão



domingo, 13 de outubro de 2019

"Analista"


Em minha lida,
eu assopro
(no outro)
os cortes da vida;

E um vento
grato inocente,
sem saber
do meu múnus,

assopra pra longe
o prato de lanhos
que viria pra mim.



terça-feira, 24 de setembro de 2019

"Aparição do dia"


 
   A Manhã
   quando pare,
   traz um sol
   bem grandão
   da barriga,
 
   Depois, a Tarde
   que passou
   o dia interinho à toa,
   vem aqui
   e leva o sol embora,
 
   E a manhã
   nem se intriga:
   traz de volta o sol,
   na mesma hora,
   na mesma barriga...!


sexta-feira, 20 de setembro de 2019

"Carolina, a menina"



   Fim dos dias
   de feira, de gozo,
   chegava em casa
   contida,
 
   Lavava as mãos
   tão sem asa,
   num devagar
   de ensaboar
   toda uma vida,

   Queria acinzentar
   a poesia
   que a rua lhe dava;
 
   Assim vivia Carola:
   guardava os risos
   do fim de semana,
   estocava
   domingos e feriados
   numa gaiola.
 
 
 

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

"Da plantação"



               Quando houve vendaval aqui dentro e árvores centenárias foram arrancadas do meu peito, também muita gente foi embora, não suportou a restada aridez. Mas aqueles a quem toquei com mãos raízes, tendo meu coração na pontinha dos meus dedos, esses nunca se foram sem mim.   

   

Dois solos



Nos olhos, 
poças de ipê-rosa:
tapete denso
de sonhos
no chão 
da moça enciumada.




quarta-feira, 18 de setembro de 2019

"O muro do pedreiro"



      Dias maçantes, os dele. Os pés, sem chão de cimento, iam atravessando o mundo do sem sentido.  A cada degrau da escada suja, suas mãos vazias davam-lhe calos na existência. Olhos poentos, uns risquinhos de aberto _ morada do sem querer ver. Tardezinha da vida, diante do novo muro que se formara fez-se noite em cada tijolo. Esmurrou-se. Esmoreceu, desmoronou-se.   



terça-feira, 17 de setembro de 2019

Dor verde



Jandaiazinha ousada:
de ida, grita seu nome,
... fulaninho, fulaninho...

(que eu nem quero dizer quem)

Ai, ai, ai, jandaiazinha,
vê minha dor de traída:
... fulano voou do ninho;

e lá vai ela nas nuvens,
dando com a língua no bico:
... fulaninho, fulaninho...

(que eu não quero dizer quem)

Pessoas ouvem os gritos,
pessoas ouvem meu ontem...
e tu não respondes, meu bem;

Feito harpia de Prometeu,
insiste no meio do céu:
... fulaninho, fulaninho...

Cale a boca, maritaca,
... fulaninho, fulaninho...
também foi pro beleléu...!



domingo, 15 de setembro de 2019

sábado, 7 de setembro de 2019

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

"Adultice"



Hoje a lua cresce aqui,
dentro da minha casa,
na mesinha da sala;

Em volta da minha cama,
ao lado das estrelas do amar,
Perto de tudo que se cala;

Para que eu não me esqueça,
cresce em cima da minha cabeça,
uma lua envolta em chama;

Cansada dos sonhos de nova,
a lua se põe à prova;
Chama ao factual, a lua que cresce.


segunda-feira, 26 de agosto de 2019

"Cheiro frutado"



 Cabelos desfiados,
 Passado sem ecos,
 Presente sem desvios:
 meu alegre romanzal.

 Um pé de amor, outro dá.

 Nas mãos, a calma dos pomares,
 Nos olhos, um verde abacateiro,
 No sorriso _ meu anjal _

 Um pé de amor, outro dá.

 E nos braços,
 esse amortecer da paina
 que me abarca eu mundo inteiro.



 

sábado, 24 de agosto de 2019

"Morros"



 Subia a ladeira 
 do mundo
 num devagar adulto
 (ia aos seus)

 Desceu a ladeira
 da vida
 num embalo de moleque
 (foi a Deus)




sexta-feira, 23 de agosto de 2019

"Pianinho"





   Ding, dong... ding, dong...!
 
   Pianinho, pianinho...
   musicas-me ao ouvido,
 
   e me musicas toda,
   quando tocas meu vestido.


Elas por elas


   Era ira.
   E de ira urra,
   brame, berra.

   Avexa,
   faz enxame,
   faz inchume

   Sofre, a mulher

   Birra, denuncia,
   faz queixumes
   Vem a lume a lei

   E sofra, homem.



quinta-feira, 22 de agosto de 2019

"Tapumes"


 
      Rara, a vida.
      E errar a ida: um caro instante.

      Mulheres, lamento: enroupem-se,
   
      Gasalhem-se perante homens
      que não gargalham sentimentos.

 


quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Mapeamento


Agosto. 
Lua cheia de mim.

Nuvenzinhas brancas raiam,
povoam minha cabeça azulada.

Na previsão do meu tempo,
o sol aparece rindo,
a lua fura ondas no céu.

Aquilon, vento norte, 
o tal vento forte da revelação,
desempoa, espana meu mapa astral.



quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Miolo, redundante miolo


Grão de girassol
Gira ao sol
Gira só
Só gira

Sementes de girassol
Giram ao sol
Giram a sós
Somente giram

(procuram luz)

No escuro semeio das sementes,
na clara flora dos girassóis,
entrementes, perdemo-nos.





segunda-feira, 5 de agosto de 2019

"A mulher que vem lá"



             As árvores de Brasília se acarinhavam ventadas, sedentas, empoeiradas do agosto; assim como os indigentes, que assoprados de casa e empoeirados de desgostos, esteiam-se com sede de carinho, quando na cruviana das madrugadas. A mulher que vinha pela rua, pelo mundo, não via vento virado, árvores, indigentes, poesia, agosto. Passava. Alheia, já outubrava: sem espera, sem escora, sem escolta, sem encosto.  



sexta-feira, 2 de agosto de 2019

"O doído de uns olhos"



      Dolorosíssimos
      olhos do homem
      na fila do pão;

      Doía a toda alma,
      a todo corpo
      que dele se abeirasse,

      Doía no pão,
      na farinha, no trigo;

      Doía a mãe no umbigo,
      Doía no pão de cada dia,

      Doía no pai nosso.
      Ave-maria.
 



sexta-feira, 26 de julho de 2019

"Tropeços"



    A vida,
   vagarosa vida,
   virava páginas
   lá dentro
   e dava-lhe reversos

   E ela queria versos.
    
   A rua 
   era um rumo,
   outro gume:
   o caminho 
   avesso da casa. 



quinta-feira, 4 de julho de 2019

"Hora de Brasília"



   Enquanto 
   o sol 
   faz uma babel,
   a chuva
   (ronceira)
   dorme 
   debaixo 
   da ponte.




sexta-feira, 28 de junho de 2019

"Tudo são cores"



       Estenda
       tua dor
       no varal
       do arco-íris:
       ela seca
       pintalgada.
     
       Foi assim
       que colori
       minha vida
       desbotada,
       da última vez
       que sofri.



terça-feira, 25 de junho de 2019

"Sabor céu"



        As nuvenzinhas
        donzéis
        e em flocos,
        que povoam
        o azul infindo,
        são as mesmas
        que passeiam
        rindo
        o céu aberto
        da minha cabeça.
     
        Agora sei
        sobre essa
        branquidão,
        essa nitidez:

        Esse arminho é paz.



quinta-feira, 13 de junho de 2019

"Aquele dia"



       A tarde rosa
       se despetalava
       por cima
       dos muros
       à nossa volta,
       pêndula,
       sem querer cair;
   
       Conhece
       de despedida, a tarde.
       Vai embora
       todos os dias
       arrancada, subtraída.
     
       Ali, doía nos muros,
       na tarde despedaçada,
     
       Doíamos, íamos.
   
       O rio
       que corria
       dos teus olhos
       já ensopava
       minha aorta;

       Entre meu ombro
       e meu pescoço,
       tua cava,
     
       Eu, toda cava.




terça-feira, 28 de maio de 2019

"Surpresas"


 
   Din-don...
 
   Abri
   e plaft!...
 
   meu coração
   saltitante
   esborrachou-se
   na soleira da porta.



sexta-feira, 24 de maio de 2019

"Quefazeres"



      e a vida
    sempre 
    e ainda
    na planta
    (dos pés) 



Findos infindos



   Um dia
   seus olhos fecundos
   me pintaram
   de azul,
   e eu era assim: mundo.
 
   Uma espécie
   de terra azul aguada
   onde você nascia;
 
   Seu sol, sal, terra,
   estrela-do-mar,
   estrela-guia;

   E eu que fui tão tudo,
   fui céu
   nos seus olhos azuis;

   E eu era assim,
   ave rara:
   um Saí-azul;
 
   Voei, voei,
   fui n'outros mundos.
   'Avis-rara' me fiz.
 
   Saí do azul, eu.
   Sou assim mesmo,
   eu sempre saio do tom.



sábado, 18 de maio de 2019

"Distimia"



    Tilintam tulipas,
    vibram vidros,
    tinem
    em meus ouvidos,
    os gritos infantis;
 
    Fito meninos,
    visitas,
    brindes à saúde
    e demais vítimas
    de minha freima.

    Inspiro... espirro!
 
    Cinjo-me à pilastra,
    imprimo
    um sorriso irônico,
    e replico inaudível
    à inquirições.
 
    Vida, vida, que foi que fiz?
    Inabordável, torço o nariz.
 

 

quinta-feira, 16 de maio de 2019

"Uma cortesia do tempo"

           

       Coisa mais boa, pessoa,

       a vida
       passando lenta, 

       pássaros
       passando lépidos, 

       e você
       passando ao largo...
             



quarta-feira, 15 de maio de 2019

Macau


Meu nome
cancionado pelo vento,

seus olhos
diluídos na distância,

nossa fala empedrada
nas letras,

um amor
furtivo na poesia:

tudo vai, tudo bem.



"Vasto sentir"

                               
   
      é que
      o coração
      tem mais ramos
      que o tronco
      imagina



segunda-feira, 13 de maio de 2019

Eu, teu desassossego



       Eu te faço tropeçar
       pela casa:
       teus pés precisam
       saber a volta;

       Inda que eu troque
       os pés pelas mãos,

       eu fecho teus dedos
       na porta
       para tuas mãos
       se curvarem aos erros;

       Então caio
       em tentação:

       derrubo teus óculos
       no chão
       para que revejas
       o que nos edifica;

       Daí, dou-te o fel
       da minha fala,

       porque os teus ouvidos,
       ah, os teus ouvidos,
       eles precisam
       mais bem-querer
       a doçura do que eu te digo;
     
       Por fim,
       desalinho teus cabelos
       com o cuidado
       de desfazer o teu pensar.




quarta-feira, 8 de maio de 2019

"Sentires"


     Enquanto a terra
     dorme grãos de futuro,
     o céu guarda
     (numa gaveta bem grande)
     estrelas para a noite.
   
     Mas no guardar das estrelas,
     a velha gaveta faz um estrondo.
     E por acaso, a terra treme;
   
     O céu sente que a terra
     ficou aterrorizada
     com o fragor da gaveta;
   
     Então o céu
     lá de longe, muito longe,
     com sua benquerença celestial,
     acaricia a terra
     com uma chuva bem mansinha...




sábado, 27 de abril de 2019

O mundo 'dele'



     Queria o mundo,
     teve mundo e mais.

     Viveu ali,
     quase fora do desejo.
   
     Entre amores
     negociáveis e diversos,
   
     Entre preços
     e sem versos.
   
     Viveu ali,
     num tom acima,
   
     numa vida
     sem métrica nem rima.
   
     E livre, coitado,

     livre dos sonhos
     que só a poesia dá.
   
   



sexta-feira, 26 de abril de 2019

"Self-love"

 


    Seja dito 
    de passagem:
    ninguém "é".
    
    A valer, 
    amo quem "estou".
    
    É o caso de dizer,
    talvez,
    que eu me amo
    por nós três...!




"Tua luz"



   Nebulosas
   planetárias,
   halos solares,
   aurora borealis;

   Beleza alguma
   se iguala
   à chuva de estrelas
   da tua presença.



 
 

quinta-feira, 25 de abril de 2019

A viagem



   A leve e leda
   borboleta
   pousou
   no casulo
   onde fora reclusa,
   para se provar alada.




segunda-feira, 22 de abril de 2019

sábado, 20 de abril de 2019

Canção de alento



Anime-se,
meu bem,
deixe esse sono;

Lá no fim da rua,
em nosso pé de lua
é outono.

As folhas
enquanto caem,
pisam as gentes;

Mas mesmo
que nos diminua,
que nos mingue, não ligue.

Sigamos tontos,
juntos, como os frutos
caminham pelos troncos.

Venha ver
outras sementes
já bipartidas,

Os brotos, 
feito mãozinhas 
postas em prece,

rezam nós dois, 
sonham nós dois,
enquanto dormem vida.



Nós de outra cor


 
  Tem uns olhos 
  de quem perdeu
  parte na história
  (olhos de índio)
   
  Encara:
  pinta o cara
  para a guerra
  (cara de índio)
 
  Pulsa no peito
  dos rios, das matas,
  dos animais
  (coração de índio)
 
  Divide.
  Dá do de fora,
  Dá do que sente;

 Tem natureza índia:
 é brasileiro.
 
 

segunda-feira, 15 de abril de 2019

"Dos perigos do fim de tudo"



    Bocas bebem
    um mar de sal
    de uns olhos madeirados
    e doutros, azuis arenosos.

    A força do grito
    violenta
    o cristalino da garganta,
 
    violenta
    o cristão dos corpos,
 
    violenta
    o cristal dos copos
 
    e dos cacos
    que arranham,
    que tilintam,
    que derramam.

    Navios singram,
    Nativos sangram.
 
    Em nós: nódoas.