quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Esta menina essa mulher...



     

      Nunca leu Bakunin. Graças a Deus. Bakunin iria se apavorar com ela. Não gosta da crueza de Nietzsche. Augusto dos Anjos, me livre! Acha Guimarães Rosa um vesgo literata, olha o certo e o escreve errado. Quintana é simples demais. Leminski não aprofunda. Adora Hemingway. Só ouve música clássica. O papo dela é "harmonia". Casal só se for hetero e a casa tem que ser linda e perfumada. O inferno é quente mesmo... e o diabo é como se pinta. Ela é contra até quando no inferno, a gente abraçar o diabo. É mole? Esta menina...
      Para ela, o destino já vem traçado, o marido já vem escolhido. A morte vem no dia certinho. Não se antecipa nem se adia a morte. Tipo: "Casamento e mortalha no céu se talha."  A meninazinha é organizada. Quer tudo "como dantes no quartel de Abrantes, é toda composta por essas tirinhas populares. Segue costumes. Ninguém a engana,  porque "não compra gato por lebres". É chata. Até as "roupitchas" dela, vestidos, saias e blusas tem babadinhos e florezinhas miudinhas mamãe dolores. "Romantiquíssima", entenda-se aqui; romântica e antiga. Só anda com seus pares para não ser uma maçã também podre. Pode?
      Esse tipo de livro não lê. Aquele tipo de viagem nunca fez. Calma...só a Paris, New York, Itália e London. Religião só é a tal. Deus é só um. Todo santo só faz o bem. Nunca foi a um terreiro. Infeliz é só quem tem "contas a acertar", do tipo: "Deve a Deus paga ao Diabo". Até remédio é droga!
       Nunca pechincha, nem vai à feiras. Dá gorjeta com forma de ajudar as pessoas. Acha o rock não ruim, mas coisa do cão. Poesia é com Bilac. Piano só remete à Mozart. Nunca blefa no jogo nem na real, não faz careta para não entortar a cara. Não dá a cara à tapas. Não enxerga nos óculos escuros, lá atrás. Usa "modelitchos combinandinhos", sapatilhas de laçarotes, "strass" na sandália. A mulher é estranha. Sonha ir a Bariloche...
       Ela é do tipo que; fugiu do prumo...é "esquisito". Ganhou um grama, engordou. Só sonha organizado, a pobre. O sonho tem começo, meio e fim. Nem sonha à noite, faz é projetos. Quer marido engravatado como forma indireta de sufocar-lhe a garganta. E seu salto é quinze, agulha. Odeia motivos afros em roupas e acessórios, e decote; só vê como vulgar. Palavrão só pra homem e no lugar "apropriado". Só pensa em sexo, ao deitar. Só sexo de duplinha, ou seja, acompanhado de amor. Toda certinha. Não toma café puro, sem açúcar. Só compra quando pode, não estoura cartões.
       "Não fala com pobre, não dá mão a preto e não carrega embrulho"...ela é assim. Caminhos para ela, só levam a Roma e nunca a rumo. Na infância, nunca matou um passarinho porque é coisa de moleque. Não transgride. Nunca brincou com a resina que brota das árvores, nunca sentiu a dor de pisar um caco de vidro porque não andou descalça. Desgraça é palavrão e quando mente, a coitada reza até. Faz unha toda semana. Judiação! Nunca dormiu sem passar creme. Não toma café depois das seis da tarde. Vai à praia para se bronzear. Tudo nela, perfeitinho. Ela é mesmo muito estranha.  Nunca tomou vinho do porto sentada no meio-fio, na madrugada. Nunca tomou um porre de pingão. Passa no boteco e vira a cara. Caminha devagarinho e um passo de cada vez. Atemporal ela. Não canta pneu... Liga o carro como aprendeu: Liga a ignição, põe primeira e vai soltando a embreagem e apertando o acelerador len-ta-men-te. Eu, heim! Vai ser obediente lá longe! Ela tem relógios pequenos e delicadinhos. Olha a hora a todo segundo, porque "tem hora para tudo". Não tem uma hora que tudo para. Só deseja o bem às pessoas e só pensa em todo mundo com amor no coração. Anacrônica, ela. Dorme cedo e nunca sentiu a cruviana... esta delícia!
      Esta menina ou essa mulher... não pode ser boa. Deus não pode gostar de um negócio desses de jeito nenhum! 
        

sábado, 27 de outubro de 2012

Que me valham os vaga-lumes



         “Luz, quero luz!", palavras de Goethe, em suas últimas horas. Eu as rememoro. Estou agoniada aqui dentro, estou toda emaranhada nesses galhos das árvores, arranhada pelas folhas ásperas. Ninguém nunca esteve aqui antes, penso. As árvores são muito juntas, e assim coladas umas às outras, não há espaços para passagem, há lugares onde só consigo passar retirando com as mãos as folhas dos meus olhos, para não serem machucados. Estou arrepiada de susto e tenho o suor da temeridade. O escuro é absoluto. Um ou outro pirilampo faz risco no longe de mim. Medo não, pavor. Embrenho-me entre plantas desconhecidas, ramos, árvores altas, molhadas e cascudas. Há espinhos. Tropeço em raízes enormes, deslizantes da umidade, e sinto frio. Não caio porque galhos amparam-me e ao mesmo tempo, rabiscam meu rosto de cortes. Um corte na maçã rosto dói, e me parece mais profundo. Dos meus braços, faço verdadeiras foices. Quebro o que posso a minha frente, mesmo dificultada pela moleza dos talos, quando molhados.

          Meus pés arrastam folhas grandes, pequenas, e toda espécie de restos do meu caminhar. Ouço acolá o barulho de uma água que cai em cachoeira. Não sigo nada. Queria me quedar quicando em cachoeiras, na plasticidade que a água dá aos corpos mortos. Não morri, mas estou no inferno, queimo-me nesse gelo florestal. Abro meus olhos no meu escuro, como se não os tivesse. Rasgo minhas mãos tão amadas por mim, e que me deram sempre as palavras certas, nessa selvageria dessa mata úmida, agora desvirginada.  Sofro tudo, sofro toda. Minha condição de impotência, minha pequenez diante de um ninho imenso de árvores, minha nudez nesse fracasso, meus cortes do rosto e dos braços, meus pés delicados doridos, meu corpo frágil quebrado, minhas pernas esmorecidas. Enrosco-me em cipós que me prendem. Mas sigo, não paro. Vou. O cheiro é doce, há o frescor do orvalho misturado ao cheiro do verdor das folhas, dos caules. Posso identificar às vezes o cheiro do eucalipto e do alecrim do campo, que alivia o estar aqui, ele vem como um acalento a esse dissabor. Há um contraste com essa severidade da mata e a delicadeza desses cheiros, serão propositais? Ando que ando e não chego, mas espero o lugar. Mesmo em frangalhos, mantenho o otimismo histérico de ver o lado bom do sofrer. Acredito numa cachoeira que ouço. Numa nuvem de pirilampos que há de surgir. A floresta é movimento, é ação todo tempo. É luta por sobrevivência. Bichos são devorados. São insetos pequenos e grandes que voam, são pássaros que se assustam nos ninhos e vem para cima dos visitantes, são folhas e frutos pequenos e grandes que caem das árvores todo o tempo, são árvores que caem de velhas, são bichos que rastejam e fazem barulhos, são monstros que surgem do interno, são árvores que nos abraçam à força. É toda espécie de treva. Que me valham os vaga-lumes! Que me acudam organismos que possam bioluminescer, e aclarar isto aqui. E vou tracejando um rumo sem tê-lo. É aqui nessa floresta meu encontro. É nesse breu, nesse enlamaçado breu, onde surgirei na leveza da borboleta. É enfurnada nessa minha floresta escura, neste malquisto lugar onde sempre temi encontrar-me. Agora percebo, não são os vagalumes a incidir luz em mim. São minhas luzes a incidir sobre meus dilemas, meus conflitos. Só aqui pude ver-me verme imundo e quero deixar de vez essa larva gigantesca e pesada. Um lugar onde deixo meus bichos peçonhentos que neste momento purgam a mim, meus monstros que me corroíam viva. Quero prendê-los todos no para sempre...amarrados nessa floresta negra onde agora estou. Vim deixá-los. Vim joio separar-me trigo.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Minha visão de seus olhos...




         Clarice Lispector, traz em sua poesia, algo que gosto de pensar como; ela diz assim: "Até onde posso vou deixando o melhor de mim...se alguém não viu, foi porque não me sentiu com o coração." Gosto disso, imagino todas as pessoas trazendo os seus melhores, nas mãos. Um "melhor" a ser visto, é claro, inundado de emoção. Desenfumaçado da inveja, desempoeirado da rigidez do pensamento, limpo da fuligem do preconceito, livre dos elos que formam as correntes do enxergar comum. É bom ver com olhos purificados assim. É bom olhar não só quem registra, ou quem escreve como vi, mas quem está ao nosso lado como sendo, sempre, um verdadeiro e gigantesco  poema. Sim, toda pessoa tem sua rima, sua métrica, sua versificação, sua concretude de poema, escondido atrás ali, da poesia que o forma. Os literatas fazem essa distinção: o poema é o concreto, o estrutural; e poesia, é parte subjetiva, é a inspiração do poeta. Cabe a nós desvelar esse sujeito, essa pessoa poema, descortinar esse espetáculo que é o outro.
          Enxerguemos com olho de Hórus. Segundo a lenda, Hórus tinha a cabeça de um falcão e os olhos representavam o sol e a lua. O olho direito simbolizava a informação concreta, com controle do hemisfério esquerdo do cérebro e voltado para as letras, os números, as palavras, representando o modo masculino de ver. Por outro lado, tem-se o olho esquerdo representando a informação abstrata, o feminino, os sentimentos, a intuição e uma visão espiritual, por assim dizer; sendo controlado pelo hemisfério direito do cérebro.
        Aqui, um verso meu, que gosto, parte desse olhar...talvez um pouco mais recatado e ressabiado, que devesse ser. Que seja aí, pelo menos um bom exemplo "a não ser seguido", quando se refere a investimentos humanos.
Esses olhos pretos, nacos de carvão
Nunca hei de atravessá-los...
Não ousei adentrar essa escuridão

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O alimento: Sofrer


     



        Lourenço tem cinco anos e meio. Ele e eu ficamos mais ou menos duas horas juntos. Num primeiro momento ficou meio arredio, assustado, mas em pouco tempo estava brincando de bola perto de mim, esperando pela mãe.  Não se desligou da sala onde estava a mãe, ou do que havia ocorrido (?)... Mesmo sem dizer nada, deixava claro que queria estar com ela. Olhava ao longe na direção da sala. Eu dizia que a mãe viria logo, e que ela precisava conversar um pouco mais com a tia Mara, a psicóloga que a estava atendendo. Que conversando, ela se acalmaria.  Mara o havia retirado da sala e dito a ele que a mãe estava nervosa e precisava conversar um pouco mais. Foi então que ele me disse, assim a seco:
      _ Minha mãe gritou pra Alice bem alto assim: Pega a faca prá mim, que eu vou matar “ele”, e ela estava “era” brava.
      _ “Ele” quem?
      _O namorado da Rita, minha outra irmã.
      _ Por que isso?
      _ Sabia que “ele” bateu o carro? Minha irmã estava com ele. Estragou tudo. Acabou com o carro.
      _ Humm...Machucou?

       Calou-se. Estávamos num lugar bonito, gramado. Ao lado um jardim enorme, com um pequeno parque e alguns coloridos brinquedos infantis. Ele ficou jogando bola, meio sem querer. Propus uma brincadeira: Brincar de objetivo. Seu objetivo era jogar dez vezes a bola na cesta de basquete. Fez a primeira, com dificuldade. Acertou uma e fizemos a festa... mais outras cestas e outras comemorações. Estava esquecido, entretido ali com a brincadeira. Do nada, parou. Desanimou-se. Perguntei se queria brincar de outra coisa e propus desenhar. Ele não desenha ainda. Ficou rabiscando e não saiu nada que ele queria. Pedi para desenhar a mãe enquanto esperava por ela.  Ele disse que iria fazer duas mães e dois pais.
        _ Por que dois?
        _ Porque é bom, ué. Muitos.

       Não conseguiu desenhar nada e desistiu. Quis que eu desenhasse para ele, a família. Falou deles. O pai usa calça jeans, mas não gosta dele (Lourenço). Quis saber por que ele pensava assim. Ele disse que o Renato falou. E que o Renato, era um amigo do pai dele. Ao que eu ponderei:
        _ Ele brincou com você. Amigos dos pais da gente falam coisas tolas, às vezes.  Ele devia estar brincando.
      Ele disse que não, que esse amigo do pai não mente, nem brinca; que fala sério. Que o pai não gosta dele mesmo.  
      _E seu pai? O que diz disso?
     _ Nada. Ele não é amigo do meu pai. É da minha mãe que ele é amigo.

Pediu-me: 
      _Desenha meu pai e minha mãe... Minha mãe de saia, de colares e brincos, meu pai de calça jeans e cinto. Minhas irmãs todas de saia e de salto alto. A Carmem, a Alice e a Rita. ”Tudo de saia”. Eu e meu pai de “calça de sair”.
Desenhei o pai, como ele falou. A mãe; ele pediu para desenhar a barriga maior, que ela tinha um bebê na barriga. A mãe perto do pai, do lado. Depois a irmã maior... a escadinha. Ele falou. A outra, depois a outra e finalmente ele, com a calça de sair. Ele estava completamente envolvido. Disse que o desenho estava lindo e que iria levar com ele. Pra ficar lá, bem guardadinho.
        O tempo foi passando e ele queria ir até a sala, onde estava a mãe. Chegou uma mulher perto de nós dois, para pegar a filha que estava ao nosso lado. Eu quis saber se a terapia de grupo havia terminado, e ela disse que sim. Ele ouviu e saiu em disparada, chorando e gritando a mãe. Eu saí atrás e pedi calma. Ele só se acalmou quando viu a mãe, na sala.
       Fomos para uma saleta ao lado e ele olhava os desenhos... um cavalo que tinha pedido, e a família. Olhava para mim todo o tempo. Nos olhos. Falou que não está na creche, que havia saído, mas que vai entrar de novo. Quer aprender a desenhar. Nem eu nem ele percebemos que a mãe havia chegado, por trás. Ela disse calmamente:
      _ Vamos Lourenço.
      Ele ficou olhando os desenhos, pensativo.  Fingindo não ouvir. Calado.
       _ Vamos...preciso ir.
      Ele ali caladinho e a mãe parada, insistiu:
       _ Agradeça a tia e vamos. Dá um beijo nela.
      
       Ele olhou em meu rosto. Veio para mim, mas parou no meio do caminho... Abriu os braços e me abraçou muito forte. Com força. Uma força exagerada. Fora da capacidade de seus bracinhos finos de cinco anos desnutridos.  Ficou quietinho, só dando o abraço. Muito tempo. Parecia que ele nem queria mais ir embora. Abandonou-se no abraço. Fiquei esperando ele se distanciar de mim, mas ele ficava ali, agarradinho. Esperei até ele terminar o abraço dele...Da mãe, para a mãe, ou na mãe dele... supus.
      Ele saiu. Fui saber a história de Lourenço. A mãe teve depressão pós-parto quando ele nasceu, tentou suicídio três vezes e tentou afogá-lo num rio, há poucos meses atrás. A família que ele fala, não existe. Não tem pai, nem irmãs. A família organizada como no desenho, é só uma gravura que traz em sua memória. É seu sonho. Sua mãe estava sendo atendida em um consultório psicológico da rede pública, em razão de uma neurose e havia acabado de ter um surto, uma crise com muito sofrimento que ele havia presenciado.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Minha porta de entrada para o sujeito único



 

       No dia que saí da casa do meu pai, era um dia assim noturno. Era estranho olhar o mundo a partir de outra casa, que não fosse a que me guardara durante toda minha vida. A que me protegera de tanta doença, de tanta tempestade e das minhas próprias intempestividades. Aquela que me segurou dos tropeços e dos trancos que a vida sempre me deu. Foi parede nos meus cambaleios. Sim, veria a vida de um outro “a partir”. Na bagagem tanta coisa: honestidade, desconfiança com gente muito boa, pé atrás com gente esperta demais, integridade. Aliava-se a isso a quantidade de livros dentro da cabeça, nas mãos, as marcas da casa da infância, a sensibilidade para aprender, os desapontamentos da adolescência e a imaturidade e ansiedade do adulto jovem. Entendia essa saída como um romper com o meu estrutural. Formar-me daí pra frente. O mundo é que daria os temperos de que eu precisava. 

       E se a vida me desse limões? O gosto das laranjas doces de minha casa se dissiparia. O mundo transforma gente, já dizia meu pai. Quando o malfazejo do mundo comparece, a bondade da pessoa pode até sumir de vez. Será? As coisas que passavam na minha cabeça faziam um barulho tão grande, tão repetitivo. E se eu não der certo? Se na moldagem que o mundo me der, ele me entortar ou me arrancar partes? A cada pergunta que me passava eu emendava: Como vou me explicar para quem deixei? Culpo o mundo, o ambiente. Culpo a fraqueza, a desobediência ao aprendizado. Sei lá, culpo... Pensava.

       E o mundo com essa redondice dele, ensina demais. E vai e volta. E você passa por gente que nunca quereria encontrar. E você encontra gente que jamais quereria deixar. O mundo disciplina. Dá a cortesia, dá a humildade quando necessária. Dá o orgulho, desnecessário. A minha falta de jeito na lida com as gentes que encontrava, era tanta. Não era assim, uma pessoa “jeitosa” de se mexer. Era “rusguento”, tinha uma espécie de capuz que eu dispunha dele quando via que precisava. Encobria e me descobria quando sentia mais à vontade.

       E eu fui por esse mundo. Um mundo que deu a faculdade, que me deu novas caras pra ver, novas máscaras para usar, novas casas pra morar, outras formas de pensar. Novos papéis para assumir. Papéis que eu sem pestanejar, assumi bem. Investi pesado em cada um deles. Fui pai sem necessariamente, repetir o meu. Fui “até” mãe sem me deixar influenciar demais pela minha. Fui filho único de quatro irmãos, de tão ímpar que me tornei. Fui me formando com cada pedacinho de gente que eu encontrava. Uns bons, outros maus. Aproveitei aqui e ali o bem de um e de outro. Infelizmente, o mal de um ou de outro impregnava em mim, com certeza. Mas eu nem via. Copiar mesmo, não copiei ninguém. Sou genuíno por assim dizer. Original. Nesse entrar e sair de gente dentro de mim (e ainda hoje isso acontece) foi-se fortalecendo um tipo, que eu gostava e me vangloriava dele. Só que de tanto elogiar esse sujeito que nasceu em mim, fui me tornando egoísta. Fui cuidando demais de mim e fui deixando o mundo prá lá, fui afundando nesse cara, como Narciso na beira do rio a olhar-se refletido n’água. Era igualzinho. Quanto mais reconhecia as diferenças entre mim e outras pessoas, mais gostava do que eu via em mim. Fiquei assim, uma pessoa comprometida com as verdades que criara. E aí eu coloquei mulher para me endeusar, filhos pra me agradar. Não sei se por medo de me perder ou para me defender, fiz a minha volta, espécies de pessoas espelho que me repetiam, de certa forma. Descaracterizei gente, até sem querer. O tempo passava e eu fui me envolvendo comigo. Alteridade...desconheço. Encerrei-me em mim.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Uma garrafa ao mar


                                                

        Pessoa, escrevo agora como se eu estivesse colocando um papel escrito  dentro de uma garrafa, arrolhasse e fosse jogar ao mar. Na verdade já está lançado ao mar esse texto, a partir de agora. Lançado a um mar de palavras que dão sentido ao mundo, que adquirem significados diversos; que revolvem, revoltam, acalmam, incitam, mas que não permanecem cruas, nem puras, como saíram de mim.
       Escrevo assim tão circunspecta e segura de assim poder fazê-lo, por acreditar que você pode transformar o que escrevo, mudar os sentidos do que digo, se o quiser; mas o que escrevi permanece comigo.  O que quero dizer está sendo levado a você, está transportado via esta garrafa aqui, mar afora. Foi exportado de alguma maneira e sei que mesmo tendo,  e sofrendo modificações por traduções, por sentidos...significantes e ou significados, como o diria o russo Vygotsky, ainda assim um pouquinho de mim, viaja até você. Um pouquinho de mim, há de compor você, agora e talvez para sempre. 
       Não sei se em razão do título do blog, uma coisa muito estranha e interessante está acontecendo, hoje vendo as visualizações notei um acréscimo muito grande de pessoas que estão acessando o blog de outros países. Fiquei deslumbranda, é claro. Quero saber quem são vocês todos. Quero conhecê-los. Vejam os números se não são merecedores deste texto charmoso: Até agora, no Brasil, trezentas e quarenta pessoas acessaram o blog, tive dezenove visitantes da União Soviética (Google tradutor, não me passe vergonha, seja bonzinho comigo aí...), dos Estados Unidos, foram dezoito pessoas; na Alemanha, foram nove; Croácia, três acessos. Da Malásia, dois acessos, e da Bélgica e de Portugal tive um acesso de cada país. Esses dois últimos suponho saber quem são.
        Vamos pensar. Afora os enganos que são totalmente previsíveis...os acasos, os acessos às páginas que não se quer; tem gente lendo o blog. Quero saber quem é, quero conhecer. Parece tolo, mas é importante. Quando alguém atira  uma garrafa de mensagem ao mar, imagina que alguém vai encontrá-la. Faz planos desse encontro. Imagina o navegante que irá tomá-la em suas mãos e até consegue experimentar a expressão surpresa que essa pessoa terá. Se minha linguagem for condizente com a sua, só resta a interpretação. É só a semântica. Se forem idiomas diferentes, muito da poesia será roubado na tradução. Mas a essência da beleza de escrever e de ler, essas; se calarão em nós. A isso, acolheremos mansinho dentro da gente. A mensagem que será lida sublinearmente é maior, é de ser humano para ser humano. E isso se fará de forma tão mágica que até o mais rude animal com esta nossa garrafa na mão; há de se "perceber" humano.
         Para conhecer você...preciso de recadinhos. De comentários no blog, e se quer fazê-los o meu e-mail é: lelucadf@gmail.com