domingo, 31 de dezembro de 2017
A noite de ano novo
É noite
de começo,
de ida,
de chegada,
de fim,
de volta.
É noite de.
É noite
de passadear,
de futurar,
de presentear.
É a noite
em que
os tempos verbais
se veem.
sexta-feira, 29 de dezembro de 2017
A chave e o ato falho
Voltou. Chave nas mãos, olhou a "casa" retinta, as janelas especulativas, a porta reticente e a ponta curiosa do cajueiro de cima do telhado. Ia. De repente, o travor do caju no peito, a porta sem respirar entupida de tinta, a ferrugem do que sentira a janelas fechadas ... e então a chave caiu-lhe das mãos frouxas.
sexta-feira, 15 de dezembro de 2017
O tempo do amor imperfeito
Fazia
um tempo
de amor frio,
reticente,
de ação
inacabada.
Em sol,
ela chovia gente,
Em si,
ele possuía de nada.
quarta-feira, 13 de dezembro de 2017
Juntando peças
Ontem ao montar meu presépio, notei quebradas a mão de um rei mago, a cabeça do pastorzinho, a mão de José e a orelha do burrico. Como sou de ler nas entrelinhas, enquanto colava as peças comecei a elucubrar sobre cada uma das partes dissociadas e relacioná-las às possíveis fragmentações no meu ano.
A mão de um rei mago é de generosidade, presente, iluminação, pode ser que eu deva me doar mais, tenho dado pouco de mim. Posso estar de mãos apagadas.
A cabeça do pastorzinho é razão, saber do perdido e trazer para si, quem sabe eu precise reaver algo escapado às mãos, recuperar projetos, estudos ou relações pessoais perdidas.
A mão de José é obreira, mão da carpintaria, da arte do entalhe, de dar forma; quiçá eu tenha que trabalhar com mais afinco, retirar excessos e dar melhor acabamento ao que faço.
A orelha do burrico é simbologia de ignorância, do firmar posição, da visão unilateral. Compreendi que devo me abrir mais ao pensamento do outro e permitir influências do que vem de fora. Sim, talvez eu ande meio absoluta, mesmo. Não ao ponto de pensar que só precisava de um novo presépio, isso não. Mas ainda assim meio absoluta.
A cabeça do pastorzinho é razão, saber do perdido e trazer para si, quem sabe eu precise reaver algo escapado às mãos, recuperar projetos, estudos ou relações pessoais perdidas.
A mão de José é obreira, mão da carpintaria, da arte do entalhe, de dar forma; quiçá eu tenha que trabalhar com mais afinco, retirar excessos e dar melhor acabamento ao que faço.
A orelha do burrico é simbologia de ignorância, do firmar posição, da visão unilateral. Compreendi que devo me abrir mais ao pensamento do outro e permitir influências do que vem de fora. Sim, talvez eu ande meio absoluta, mesmo. Não ao ponto de pensar que só precisava de um novo presépio, isso não. Mas ainda assim meio absoluta.
domingo, 10 de dezembro de 2017
Da concessão de poderes
Quem brilha
as estrelas?
Eu, tu,
nosotros,
ellas?
Em vez
de brigar
para acendê-las,
Por que não
brilhar
para morrê-las?
sábado, 9 de dezembro de 2017
Desdobramentos
Que
cada conta
_ ave-maria _
do terço
desse rosário
que me resta,
me receba.
Que
cada salva
do dia
_ origami que reponta _
me faça
encendida;
me faça
manter
a flama,
a poética chama
de dizer à vida:
aqui estou eu: pronta.
quinta-feira, 7 de dezembro de 2017
Canto de fim de ano
Que fazes,
pessoa,
tão madrugada
frente à descabida
escuridão
na tua vida?
O tempo escoa.
Mas foge a tempo,
isso é sombra de pilastra.
Liga o néon
dos livros,
acende letras,
cutuca
com vara curta
as estrelas de vidro
dos teus sonhos
para que tilintem;
canta,
assobia,
faz barulho.
Age, desperta
o sol cálido
dos teus sentidos
antes que
um chão de espinhos
forre a passagem.
Antes, pessoa,
que a descrença
_ luzinha tíbia _
que mora
detrás dos montes,
se achegue dissimulada,
e com quem
quer nada, nada,
ocupa o pau oco
onde tuas vontades
se encorujam
e te morre viva,
verdolenga, ainda.
domingo, 3 de dezembro de 2017
A paciente "bluish green"
Almada. Era almada quando fazia do corpo um poço verdejante de lodos luzentes. 'Exotic' miolo de uma agave. Glutinoso corpo, viscoso olhar. Imantava os rostos apagados das folhas da vida. Faiscava roupas brilhantes. Partes. Desprendia-se acesa de um verde-azulado, coisa de folha planando no ar. Pedaços. Trazia em si a pétala sedificada da papoula vermelha, duelo diário com o fio escuro da navalha. Talhos. Habitavam-na o universo afiado, a dor aguda, o sentido agudo das dracenas. Cicatrizes. Aqui, uns olhos presos seguram o teto. Ranhuras. Ali, a magia cerúlea do mar debruçada à borda dos olhos, o forro verde dólar sobre a mesa, naipe ouros, naipe copas. E no mundo casino de todo mapa, olhos salgados sobre a moral. Recortes.
quarta-feira, 29 de novembro de 2017
Rua de gente pequena
Num fio
de galho
o fiu-fiu
de um
passarinho,
na rua
um fio
de gente
olha e ri:
cidade grande
não tem
fios
que ligam
postes,
os postes
vivem
cada um por si.
quinta-feira, 23 de novembro de 2017
Caminho de borboleta
Quando
minha poesia
ia embora
de mim comigo,
assim solta,
trejeita,
pagã,
buscava
a rua turva
estreita
ou a rua larga
luzidia;
nunca
bem soube
pela qual
mais tinha encanto,
sei que escorregava ruas.
Hoje
quando
minha poesia
se vai
já não sigo
em seu umbigo;
sei lá
aonde anda mais,
ou se anda,
ou se voa,
ou se ais.
segunda-feira, 20 de novembro de 2017
domingo, 19 de novembro de 2017
Os nós do fim da linha
Ele velhinho, míope de tanto ver o mundo, abeirou-se dela, segurou-a pelos braços e afundou os olhos naquele rosto magro, branco e cheio de linhas, como a dizer: "Clara, me deixe ler você de novo para ver se eu entendo." E ele num encanto dissolveu-se ali. Então caminhou olhos pequenos sobre face dela, feito anda uma joaninha sobre o titânico e labiríntico limbo da folha da videira, assim imprecisa, mas sem interromper o rito e atabalhoada para chegar logo à margem.
quarta-feira, 8 de novembro de 2017
Volver
O que me traz de volta é a bravura
No esfarrapar do vestido,
dentada de nímios quilos,
reticente dor aguada.
O que me traz de volta é o cansaço
Mornos poços, postas águas,
arranhões, ruas escuras.
Pés em pausa. Paradas. Portos. Pontos.
O que me traz de volta é a cicatriz
Dos joelhos na calçada,
da vastidão do meu nada,
da vida espalmada de atriz.
O que me traz de volta é o sentido
Senti do que tem o vívido,
sentido que tem o vivido,
sentir (sem ti) do que tenho sentido.
terça-feira, 7 de novembro de 2017
Sintoma
Adaga
agulha
lança
setas
Culpa
agonia
medo
angústia
pranto
desassossego
(pontas abjetas)
E tudo
quanto preciso
mora
no teu paraíso
quinta-feira, 2 de novembro de 2017
Por onde anda seu sorriso?
Imagine o caminho que seu sorriso faz para chegar aos olhos do outro. Às vezes ele sai tão em disparada que nem se pode saber que atalhos tomou e de onde partiu. Outras vezes ele chega tão vagarosamente, mas tão lento, que parece ter cruzado aquele seu deserto inteiro. É que o caminho a ser percorrido pelo seu sorriso depende da pressa dos olhos que o esperam aqui fora.
quinta-feira, 26 de outubro de 2017
O pesadelo de uma presença
Levina, impaciente, vinha do minimizado: barraco, barriga materna espinhosa, roupas miúdas, comida pouca, toco de lápis, família sem "pedigree". Vívian, calma, vinha de amplidões: casa grande, barriga materna almofadada, roupas longas, mesa farta, caixa de lápis 120 cores, família tricentenária. Duas grandes mulheres vítimas da pequenez masculina; o feminicídio.
segunda-feira, 16 de outubro de 2017
quinta-feira, 12 de outubro de 2017
segunda-feira, 2 de outubro de 2017
Atrelações
Enquanto
os raios do sol
vazam
entre nuvens escuras,
eu entranço
minha luz
à tua sombra.
Entro-te.
Enlaço
teus escuros,
coo tua história,
te suavizo.
Teço-te penumbra.
terça-feira, 26 de setembro de 2017
Astenia
Ando
que te ando
tanto,
que me cansa
andar-te.
Tropeço-te.
Caio de joelhos,
me peço a Deus.
Levanto.
Ando
e me cansa
andares,
te despeço
adeus.
segunda-feira, 11 de setembro de 2017
Da série: Poesia Ilustrada
e quem diria
que um amor
puro e verdadeiro
pudesse
ser achado,
um dia,
numa esquina qualquer?
terça-feira, 29 de agosto de 2017
Imprecisões
Naqueles
olhos amarelos,
um porto
ensolarado.
Os navios
que de lá
zarpavam
eram sobejos
de verdades
amareladas
indo embora
de mim.
Aqueles
olhos porto
alaranjado,
minha
imprecisão
de sina
e a ginga
dos navios
na água,
me fizeram
zíngara.
Uma cigana
a enveredar,
acobreada,
por uns olhos
marejados.
sexta-feira, 25 de agosto de 2017
Santa morte
Quando eu solto Barrabás,
te desprendo, meu amor.
Quando solto Barrabás
é a ti que despenitencio.
Que não te enganes:
tu vieste à lança, às pontas.
E pensar em nós foi sempre
doer espinhos na testa.
Quando solto Barrabás,
não é para essa tristeza infinda
de ver nos teus olhos a dor
da libertação que aí se aninha.
É mais, se não apenas;
para tua festa e a minha
de libertar-te desta vida.
Da tua vida de apenado,
da nossa vida de penas.
domingo, 20 de agosto de 2017
Das idas e vidas
Eu falo
que já vou tarde,
mas tenho olhos
pendurados
na volta.
Eu digo
que já vou indo
e olho para trás.
Levanto-me.
E mais uma vez
tem uma volta
irrequieta em mim.
Entendo.
É que falo
de adeus
com a mesma
incerteza
de quem,
numa corda tesa,
caminha
sobre o abismo.
sexta-feira, 18 de agosto de 2017
Viagem
A estrada
que leva
o sol embora
me leva
pra casa.
Pássaros voam.
Voo estrada,
voo vida,
vou com os pássaros.
A estrada
que leva embora
os pássaros,
voa vida,
voa sol,
voa eu.
A estrada
que leva embora
a vida:
vou sol,
vou pássaro,
vou eu.
terça-feira, 15 de agosto de 2017
Adultices
Mundo
bala
de gelatina,
mundo
bala de aço.
Mundo
bolhinha
de sabão,
mundo
bolinha
de nióbio.
Mundo
sangue
no olho,
mundo
bala
na agulha:
mundo
adolescente
em conflito
com a lei.
domingo, 13 de agosto de 2017
"A passagem"
caminho
do aeroporto JK
há um túnel
dourado
que para no ar;
Paira,
plana
sobre
as vontades.
Enleva:
me põe
no caminho
do meio.
E eixa:
me impõe
rumo certo.
Dobra-me
em tantos
dáblios.
Dablia:
me faz repetir.
Túnel
que asa,
que infla,
que me solta
em pipa,
que me mariposa.
Ponte
movediça
sobre o nada
de um rio.
Meu móbil.
Passagem
guindada,
aérea,
pêndulo áureo
do meu vazio.
Meu móbile.
Infindo arco
iluminado
que me acopla
à sua presença;
E me venta,
e me bafeja,
e me assopra em você.
quinta-feira, 10 de agosto de 2017
quarta-feira, 9 de agosto de 2017
Novelo sem pontas
Perguntam-me
se acabou.
Não. Sim.
Não sei.
Eu nunca
soube de nada.
Não entendo
de fins.
Sei tão só,
que tuas paredes
ainda povoam
minha casa.
És tranca,
tronco,
quartos
e membros,
além do pó
na minha
(estanque)
sala de visitas.
Fica no fim
do meu corredor,
teu espelho
mais embaçado.
É no teu tapete
que tropeço,
que me arrasto.
É no teu tronco,
que teço teias
sem ver tuas pontas.
É no adocicado
de minhas veias,
que te seivas tonto
sem que vejas o meu fim.
domingo, 6 de agosto de 2017
quarta-feira, 2 de agosto de 2017
Um inocente carinho
Ele fala
com a mão no peito,
como quem diz:
"é aqui que dói".
E cada vez
que leva a mão
a essas feridas,
ele reduz suas chagas
mesmo sem saber
que o faz.
terça-feira, 1 de agosto de 2017
segunda-feira, 31 de julho de 2017
Pálidos caminhos
Inda que
seus braços magros,
aborboletados,
esbraseantes
e pincelados de sol,
me ceguem o caminho;
mesmo que
o grito da tatuagem
nas suas costas duras
calem toda
minha primavera,
eu deixo seu colorido
e sem nenhum para onde
sigo corpo ereto,
preto e branco, mundo afora.
domingo, 30 de julho de 2017
Nudez da alma
Não mesmo.
Você não
me põe em xeque.
Mas ao seu lado
não me dono;
me impreciso tanto,
que me fecho em copas
e me abro em leque
quase ao mesmo tempo.
sábado, 29 de julho de 2017
quinta-feira, 27 de julho de 2017
Licença para pousar
Ele sempre volta:
óculos escuros
a esconder olhos escusos;
Óculos escuros
a desviar olhos obtusos.
Vem de ombros flectidos,
coluna densa de desculpas.
Na mão,
um poemazinho sem brio;
na prosa, "old news".
Empurro goela abaixo.
Ouço.
Pra me dourar,
florzinhas na camisa,
caramelos derretidos no bolso.
Traz um novo canto
para nosso leito
e uma penúria além-mar...
E eu, se me convém, aceito.
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