quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Me beija-flor





O beija-flor vive de floreios em sua realidade
Eu vivo de poetar em floradas racionais o que sinto

Tu vives de acordar a conveniência de teu sonho em botão
Deliramos em conjunto
Alucinamos coletivo - o beija-flor, tu e eu

Numa vida enfadonha e fantasiosa
estouramos bolhas de sabão coloridas em nossa fronha

Teço teias vívidas com fios de tuas veias
Enredo-me no azul do teu sangue lento meu domínio

Na papoula, o beija-flor zonzo sonolento

No emaranhado de nossa presença
No fim de meu túnel à luz da tua verdade

O pesadelo da pertença   

Possuo-te, mas não sou tua

És meu, e não me pertences...

Dia virá quando o beija-flor, tu e eu, exaustos
Sem o torpor que a papoula deu

Sem a tendência do acorrentado Prometeu
Viveremos de vida, numa grande bolha colorida

Sem hora dividida, sem tempo definido, sem sombra de ida
Com flores, méis, beijos, anéis e um beija-flor sóbrio

Longe dos véus, longe e num céu que nos ronda e quer





quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Caleidoscópio

 
 
 

          Havia passado a chuva,  a trovoada, o temporal, mas o vento gelado ainda grudava na pele. Seus olhos vermelhos pareciam duas poças grandes d’água em um colinho de açucena. Desequilibravam e balançavam o homem, como a água da chuva faz com o copo dessa flor. Arrisquei uma tosse, não saiu. Olhei para o lado e me vi atrelada ao destino que acabava de se inventar pra mim. Estávamos no carro e tudo lá fora era molhado de tristeza, e eu pensava no quanto tudo ali dentro era seco da alegria que um dia sentimos juntos.

         Olhei o caminho longo que agora se formava da janela. Rumos estranhos, mal traçados. Todos os galhos das árvores lembravam sobras de trilhas que não tinham um começo visível e nem se podia ver seus fins porque as folhas impediam. Incerto futuro, pensei. Recorro sempre às chaves em minhas inseguranças, lembram-me saídas e chegadas. Segurei-as entre meus dedos tensos, com certa frouxidão. Precisava da certeza da ida e o barulho das chaves provocava  isso em mim. Aquele tinguelingue quando elas esbarram umas nas outras, arranham minhas horas. Sempre foi assim, percebo meu tempo nas chaves, pelo balanço delas vejo se ele está vencido ou se começa a ser contado.

         Dizer o que, quando as chaves já me diziam tudo e quando o momento roía-me os calcanhares? O meu ir, gritava dentro e só eu sabia o quanto gritava alto, quase que dava para se ouvir de fora. Olhar o longe era a arma contra ver do canto dos olhos doces, desaguar o tudo represado e ainda dificultar a descida da minha montanha. Ah, a montanha... Uma descida sonhada, bem-vinda, que pensava eu, seria uma disparada como um esqui deslizando na neve, um escorregador sem fim, uma bicicleta sem freios, um mundo sem atalhos, sem curvas. Meu coração moleque de rua iria descruzar os braços, destravar as pernas, pisar macio os pés sujos e correr esvoaçando com o vento os cabelos suados, rumo ao novo caminho. Ele queria experimentar a vida irresponsável de sair na correria, sem alma, sem calma, desarmado, desimpedido, descompassado, desatrelado, despedido, e todos os “des” mais existentes. Ir, ir e ir. Deixar para trás os idos, os tidos, os vividos, os investidos, os lidos e buscar os “rá” que se formariam a partir dali.  Abri os braços e a vida  foi me invandindo, me inflando  e se acomodando em mim. Pus uma venda nos meus olhos de enxergar o passado e abri uma fenda no futuro.  

           

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Volare







         Na loja de brinquedos a meninazinha indignada olha para a mãe e diz: _ Por que tenho que escolher entre esta cor e aquela, entre este ou aquele brinquedo? A mãe responde ainda sem saber por que o diz, sobre as vantagens de se poder escolher. A mãe tenta mostrar a eterna investida das escolhas na vida das pessoas e a inevitável assiduidade do escolher. “Isso é assim a vida toda”, diz a mãe, à filha. Nem explica tanto, mas deixa subentendido que escolher é bom.
        A menina cresce, mas não gosta quando surgem as alternativas. Quer voar para esquecê-las. Torna-se adolescente, se esbarra nas escolhas e enquanto pensa no bom de escolher, não escolhe a contento. Assim nunca se convence da escolha como coisa boa. Adulta escolhe viver como a mãe e vive escolhendo, por achar que escolher é necessário e bom. Segue entre o isto e o aquilo, todo tempo. A profissão, suas parcerias, seus partidos políticos, instrumentos musicais, os amigos, casas, músicas, flores, agulhas, chaves, cursos, maquiagens, livros, estilos e tudo o mais. A vida segue e a deixa cega de escolhas. Ela quer voar para esquecer...
        Acontece que quando se pensa entender a vida, ela nos rasteira. Adulta, a meninazinha entende que realmente, uma grande parte da vida é por ela escolhida. Mas há outra, uma parte mais rígida, imposta pelo social e disposta nas crenças, na cultura,  já embutida nas opções.
      No fim, inimaginável por ela é a quantidade de acontecimentos determinantes em sua vida e independentes de suas escolhas. E eles, sim, voam intocáveis e inatingíveis. Não são ou serão impostos, mas surgem, ou surgirão por encanto numa espécie de magia do caminhar. São diversos e adversos os nomes dados na intenção de se definir essa coisa que acontece e foge de nosso controle. Chamam de acaso, coincidência, providência divina, fatalidade, sorte, azar, dita, desdita, destino, sina, fado, futuro, e por aí vai. Ou, por aí se vai... nessa trilha afofada de folhas, escolhe-se onde pisar sem nunca descobrir o que há embaixo do passo.... Segue-se pelo caminho sem saber o compasso. Toma-se um rumo novo sem entender o motivo... Pode-se escolher o abraço, mas nunca se tem a alternativa de enxergar o coração que mora atrás dele...