quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Rua de gente pequena




    Num fio 
    de galho
    o fiu-fiu
    de um 
    passarinho,

    na rua 
    um fio 
    de gente
    olha e ri:

    cidade grande
    não tem 
    fios
    que ligam 
    postes,

    os postes
    vivem
    cada um por si.
    




quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Caminho de borboleta




      Quando
    minha poesia
    ia embora
    de mim comigo,
    assim solta,
    trejeita,
    pagã,
    buscava 
    a rua turva
    estreita
    ou a rua larga
    luzidia;
    nunca
    bem soube
    pela qual
    mais tinha encanto,
    sei que escorregava ruas.
 
    Hoje
    quando
    minha poesia
    se vai
    já não sigo
    em seu umbigo;
   
    sei lá
    aonde anda mais,
    ou se anda,
    ou se voa,
    ou se ais.
 





Do outro lado da ponte



 Ninguém 
 sabe do acolá, 
 só sei 
 que os dias
 chegam de lá
 sorrindo. 







segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Diálogo de uma onipresente




  _  Onde você está?
  _  Sempre em casa.
  _  E onde é essa "sua casa"?
  _  É onde eu chego toda.







domingo, 19 de novembro de 2017

Os nós do fim da linha

 

              Ele velhinho, míope de tanto ver o mundo, abeirou-se dela, segurou-a pelos braços e afundou os olhos naquele rosto magro, branco e cheio de linhas, como a dizer: "Clara, me deixe ler você de novo para ver se eu entendo." E ele num encanto dissolveu-se ali. Então caminhou olhos pequenos sobre face dela, feito anda uma joaninha sobre o titânico e labiríntico limbo da folha da videira, assim imprecisa, mas sem interromper o rito e atabalhoada para chegar logo à margem.






quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Volver



   O que me traz de volta é a bravura
   No esfarrapar do vestido,
   dentada de nímios quilos,
   reticente dor aguada.

   O que me traz de volta é o cansaço
   Mornos poços, postas águas,
   arranhões, ruas escuras.
   Pés em pausa. Paradas. Portos. Pontos.

   O que me traz de volta é a cicatriz
   Dos joelhos na calçada,
   da vastidão do meu nada,
   da vida espalmada de atriz.

   O que me traz de volta é o sentido
   Senti do que tem o vívido,
   sentido que tem o vivido,
   sentir (sem ti) do que tenho sentido.

 


 

 

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Sintoma



   Adaga
 agulha
 lança
 setas

 Culpa
 agonia
 medo
 angústia
 pranto
 desassossego

 (pontas abjetas)

 E tudo
 quanto preciso
 mora
 no teu paraíso





quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Por onde anda seu sorriso?

     



            Imagine o caminho que seu sorriso faz para chegar aos olhos do outro. Às vezes ele sai tão em disparada que nem se pode saber que atalhos tomou e de onde partiu. Outras vezes ele chega tão vagarosamente, mas tão lento, que parece ter cruzado aquele seu deserto inteiro. É que o caminho a ser percorrido pelo seu sorriso depende da pressa dos olhos que o esperam aqui fora.