terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Em um pé de vento


 

           Escrevo ao vento. Que rouba estrofes, que destrói versos e leva embora minhas rimas. Já roubou de mim um sem número de contos, poemas e histórias que bem poderiam viver em livros, não fossem suas levas. Carrega para longe de minhas mãos o peso que quero dar, escrevendo, e não mais o assenta. Arranca os acentos de minhas palavras ressignificando-as como acha certo.
          O vento, ah, o vento! O vento não tem sido bom comigo. Leva minha voz escrita, leva o que demais me pertence, escamoteia o que de mais eu quero. Há pouco falava de amor e o que fez o vento? Ele, ardiloso, se achegou vestido numa brisa leve a acariciar- me o rosto e quando vi tinha desviado minhas palavrinhas mélicas do poema. Insisti, mudei. Falei de uma realidade mais dura e ainda mais descomposta (se é que existe) que a do amor que vivi travestido em palavras doces. Ele, então, veio uivando e babando como um cachorro louco, rasgou letras, trocou regras gramaticais, engoliu meu dicionário. Queria dar notícias dissimuladas, afinal sou jornalista, pensava eu. Mas o vento impediu. Dessa vez veio bento não sei de que lado: desolou todos os pobres de minhas enchentes, derrubou meus empoderados políticos, golpeou minhas economias, acelerou tragédias iminentes. Guerreou comigo. Fez como quis.
         Antes, as retiradas do vento ficassem ali, no campo da poesia, ou até da realidade da palavra vencida, a escrita. Mas não para por aí. O vento quer ainda mais levar de mim. Acredita? Crudelíssimo. Por último, tem tentado afastar meu corpo franzino de quem melhor o tem amado.
 
 
 
 
 

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