No dia que saí da casa do meu pai, era
um dia assim noturno. Era estranho olhar o mundo a partir de outra casa, que não
fosse a que me guardara durante toda minha vida. A que me protegera de tanta
doença, de tanta tempestade e das minhas próprias intempestividades. Aquela que
me segurou dos tropeços e dos trancos que a vida sempre me deu. Foi parede nos
meus cambaleios. Sim, veria a vida de um outro “a partir”. Na bagagem tanta coisa:
honestidade, desconfiança com gente muito boa, pé atrás com gente esperta
demais, integridade. Aliava-se a isso a quantidade de livros dentro da cabeça,
nas mãos, as marcas da casa da infância, a sensibilidade para aprender, os
desapontamentos da adolescência e a imaturidade e ansiedade do adulto jovem. Entendia
essa saída como um romper com o meu estrutural. Formar-me daí pra frente. O
mundo é que daria os temperos de que eu precisava.
E se a vida me desse limões? O gosto das
laranjas doces de minha casa se dissiparia. O mundo transforma gente, já dizia
meu pai. Quando o malfazejo do mundo comparece, a bondade da pessoa pode até
sumir de vez. Será? As coisas que passavam na minha cabeça faziam um barulho
tão grande, tão repetitivo. E se eu não der certo? Se na moldagem que o mundo
me der, ele me entortar ou me arrancar partes? A cada pergunta que me passava
eu emendava: Como vou me explicar para quem deixei? Culpo o mundo, o ambiente.
Culpo a fraqueza, a desobediência ao aprendizado. Sei lá, culpo... Pensava.
E o mundo com essa redondice dele,
ensina demais. E vai e volta. E você passa por gente que nunca quereria encontrar.
E você encontra gente que jamais quereria deixar. O mundo disciplina. Dá a
cortesia, dá a humildade quando necessária. Dá o orgulho, desnecessário. A
minha falta de jeito na lida com as gentes que encontrava, era tanta. Não era
assim, uma pessoa “jeitosa” de se mexer. Era “rusguento”, tinha uma espécie de
capuz que eu dispunha dele quando via que precisava. Encobria e me descobria
quando sentia mais à vontade.
E eu fui por esse mundo. Um mundo que
deu a faculdade, que me deu novas caras pra ver, novas máscaras para usar,
novas casas pra morar, outras formas de pensar. Novos papéis para assumir.
Papéis que eu sem pestanejar, assumi bem. Investi pesado em cada um deles. Fui
pai sem necessariamente, repetir o meu. Fui “até” mãe sem me deixar influenciar demais pela
minha. Fui filho único de quatro irmãos, de tão ímpar que me tornei. Fui me
formando com cada pedacinho de gente que eu encontrava. Uns bons, outros maus.
Aproveitei aqui e ali o bem de um e de outro. Infelizmente, o mal de um ou de
outro impregnava em mim, com certeza. Mas eu nem via. Copiar mesmo, não copiei
ninguém. Sou genuíno por assim dizer. Original. Nesse entrar e sair de gente
dentro de mim (e ainda hoje isso acontece) foi-se fortalecendo um tipo, que eu
gostava e me vangloriava dele. Só que de tanto elogiar esse sujeito que nasceu
em mim, fui me tornando egoísta. Fui cuidando demais de mim e fui deixando o
mundo prá lá, fui afundando nesse cara, como Narciso na beira do rio a olhar-se
refletido n’água. Era igualzinho. Quanto mais reconhecia as diferenças entre
mim e outras pessoas, mais gostava do que eu via em mim. Fiquei assim, uma
pessoa comprometida com as verdades que criara. E aí eu coloquei mulher para me
endeusar, filhos pra me agradar. Não sei se por medo de me perder ou para me
defender, fiz a minha volta, espécies de pessoas espelho que me repetiam, de
certa forma. Descaracterizei gente, até sem querer. O tempo passava e eu fui me
envolvendo comigo. Alteridade...desconheço. Encerrei-me em mim.
Adoro esse sujeito seu!!!! e confesso q comungo da mesma sina... sua escrita transcreve meus pensamentos e visão da redondice do mundo...
ResponderExcluirIdentificou-se com o sujeito? Mas que sujeito "único" mais "pluralizado"...kkk. Bjus, Vânia.
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